Nos dias 01 a 03 de abril estive em Florianópolis com Samir, para participar de um Workshop sobre Son-Rise, abordagem terapêutica educacional para tratamento de crianças autistas.
Sempre depois de um curso, gosto de parar para escrever sobre ele porque isso me permite reforçar e sistematizar o que aprendi e criar um juízo de valor acerca da sua utilidade prática em minha vida.
A proposta do son-rise é sedutora! A abordagem foi criada, por um casal de pais, na década de 70, para ser aplicada em seu filho, criança com diagnóstico de autismo severo, quando todos os profissionais haviam retirado desses pais qualquer esperança de melhora no estado de interação daquela criança.
Confesso que não fui para o curso com a pretensão de aplicar a abordagem em Leti. Sabia que todo o trabalho partia da brincadeira (já tinha um livro com algumas propostas de brincadeiras, com base no son rise) e o que buscava ali, de fato, eram alguns
insights para poder melhor brincar com minha filhota.
Mas saí com uma certeza no coração: minha filha está no espectro autista. Já tinha esta suspeita, mas saí de lá com esta convicção, mesmo sem que qualquer médico tenha me dado tal diagnóstico.
Como a abordagem é bem direcionada a autistas, o curso se iniciou tratando um pouco do autismo.
Hoje em dia, dificilmente se diz que uma pessoa é autista. É mais comum a utilização da expressão "estar no espectro autista". Eu ouvia muito a expressão, mas não tinha uma ideia exata do que se tratava. Tirei algumas dúvidas lá. O autismo clássico normalmente acarreta uma interação social comprometida, pouca linguagem funcional e interesses restritivos e comportamentos repetitivos.
Como são três características, e que podem apresentar variações em diversas escalas, chegou-se à conclusão que o autismo na criança pode-se apresentar de distintas maneiras e graus, o que se levou à utilização da expressão espectro autista.
Dos aspectos típicos, a dificuldade na interação foi um que sempre chamou atenção em Leti. Ela não olhava nos olhos, não respondia quando chamada, não sorria às brincadeiras que faziam com ela... Isso já teve uma grande melhora. Mas ainda discrepa muito da criança típica. De vez em quando, ainda percebo a frustração das pessoas que não a conhecem, quando fazem uma gracinha e ela não dá a mínima.
Sua linguagem funcional ainda não aflorou como gostaria, mas, neste aspecto, acho que é só uma questão de tempo. Fala umas palavras, já se expressa um pouco, demonstra entender o que falamos. É o que menos me preocupa dentre as características autísticas.
Em relação aos interesses restritivos e comportamentos repetitivos, tenho grande preocupação. Percebo muito isso na minha pequena. Seus interesses são notoriamente restritos. Apesar de ter inúmeros brinquedos, poucos a interessam. Nesta fase, tem curtido teclados, massinha de modelar e... só. Com a massinha, tem se restringido ao movimento repetitivo de fazer a cobra. E tem repetido o movimento com gizes, lápis, e outros brinquedos. Temos tentado transformar isso, mas está difícil. O teclado, gosta de tocar. Mas enjoa logo. De vez em quando, brinca com outra coisa, como o basquete, uns bloquinhos, comidinhas, mas, na maior parte das vezes, leva o brinquedo à boca. Com brinquedos de ação e reação interage bem. Aqueles que a gente aperta um botão e um bichinho aparece, ou toca uma música. Ela aprende logo a manejá-los e fica no aperta aperta por um tempão. Devagar e sempre vamos tentando ampliar seu interesse pela brincadeira.
Comportamentos repetitivos. Estereotipias. Ismos (para o son rise). Ela tem muito! Em alguns momentos, mais; em outros, menos. É o balanço para frente e para trás (que faz muito), o balançar da mão (flapping), o barulhinho repetitivo (que não sei descrever), as contrações abdominais.
Isso me enlouquece. Porque não sei como lidar. Não sei se devo obrigá-la a interromper, se devo distraí-la para que pare sozinha, se devo deixá-la para ver até onde vai. Às vezes choro de desespero por não saber o que fazer nesses momentos.
É também o ponto mais polêmico do son rise. Porque eles sugerem que entremos no mundo da criança e, nesses momentos de
ismos, façamos uma espécie de imitação do movimento, sem julgamentos, para entendermos as sensações da criança. Se ela se balança para frente e para trás (o que descobri ser muito comum em autistas), ficamos ao seu lado e nos balançamos também. A ideia é tentar descobrir a sensação prazerosa que o
ismo proporciona e tentarmos oferecê-la num comportamento socialmente aceito.
Sinceramente, não me sinto à vontade, e nem acredito que a repetição fará com que a estereotipia desapareça. Acho que a reforça. Fora que não há nenhum embasamento teórico que demonstre o benefício da técnica da repetição. É tudo muito empírico.
Pois bem. Já que comecei a falar da técnica, melhor que o faça do começo.
O programa son rise deve ser dirigido pela família. A família faz um treinamento com profissionais do son rise, é traçado um perfil da criança, são determinados os objetivos do programa e, a partir daí, alguns voluntários serão selecionados para ficar por horas com a criança, no quarto de brincar montado em sua casa, estimulando-a. Os pais orientarão os voluntários passam a assumir a direção do programa.
O foco principal do programa é favorecer a interação, o olho no olho. A interação tem que estar bem estruturada para que se passe a trabalhar objetivos específicos com a criança. Acredita-se que, com a interação normal, o aprendizado e o desenvolvimento surgem espontaneamente.
São pilares da abordagem:
1) Aceitação, que é diferente de resignação, de pena. É a aceitação plena da criança, da maneira que ela é, sem julgamentos, associada à crença de que ela faz o melhor que pode.
2) Valorização é a ênfase aos talentos, às possibilidades. É procurar encorajar a aprender mais, estimulando sempre a auto estima.
3) Celebração. É a comemoração verdadeira pelas habilidades que a criança já tem, pelos precursores de uma nova habilidade e pelas habilidades novas, quando adquiridas. O tempo todo, no son rise, pratica-se a celebração.
Fala-se muito também em interação responsiva, no sentido de seguir os interesses da criança e dar resposta imediata a todo e qualquer comportamento da criança, fazendo com que ela se sinta controladora da situação.
A razão da responsividade é favorecer a interação da criança com seu mediador, e fazer com que ela perceba que, interagindo, da menor maneira que seja, ela pode conseguir tudo o que deseja.
À medida em que a interação vai se estabelecendo de maneira mais sólida, passa-se a solicitar um pouco mais da criança, nos momentos das atividades, até que se consiga chegar a nível tal de interação e desenvolvimento que as características autísticas da criança passem desapercebidas.
Não conseguiria resumir aqui tudo o que aprendemos em três dias inteiros de workshop em Floripa. Repito, a proposta do son rise é sedutora, e o
modus faciendi apresentado é cheio de detalhes e sugestões que não caberia repetir aqui, para não ficar (ainda mais) cansativo.
Mas tenho algumas objeções em relação ao programa.
A primeira já antecipei. Discordo da sugestão de que nos juntemos à criança para imitar suas estereotipias. Até acho legal a ideia de tentar entrar no mundo da criança para tentar tirá-la de lá. Mas imitando estereotipias, não! Logo que voltei até tentei, mas não consegui. E não acho que esse seja o caminho.
Segundo: não sei se confinar uma criança a um quarto de brincar, afastando-a do mundo, no início do programa, seria a melhor maneira de trabalhar a sua interação. Tenho sérias restrições quanto a isso.
Terceiro: não acho, ao contrário do que pregam, que o son rise seja a solução dos problemas para todo e qualquer autista. Aliás, não acho que nenhum programa, por si só, possa curar uma criança do autismo, como sugerido no curso. E acho que nós, pais de crianças especiais, temos que tomar muito cuidado ao participar de cursos como esses, que vendem a certeza da cura do autismo, para não investirmos mais do que podemos em algo que não vai nos dar o retorno que estamos esperando que dê. Não quero parecer pessimista. Acho que devemos ir em busca de cada fio de esperança de uma melhor qualidade de vida para nossos filhos (e quem me conhece sabe que não me acomodo); que devemos procurar conhecer tudo de novo que estão tentando por aí. Mas acho também que precisamos ter um mínimo de senso crítico, para sabermos avaliar o que, de fato, pode e deve ser trabalhado em nossos filhos.
E, no atual estágio em que Leti se encontra, não trabalharia com ela unicamente o programa son rise, embora, acredite que várias das técnicas utilizadas no programa podem ser utilizadas no nosso convívio familiar, com grande probabilidade de sucesso o que, para mim, já fez valer à pena a participação no workshop.
Aliás, como disse Fernando Pessoa, tudo vale à pena quando a alma não é pequena.
Por fim, não podia deixar de dizer que fiquei profundamente decepcionada com a postura da palestrante. Não tenho o que falar a respeito do seu domínio sobre o tema. Mas, num workshop direcionado a pais, com programação em seu roteiro para perguntas e respostas diárias, esperava, no mínimo, que a palestrante demonstrasse um pouco mais de interesse em esclarecer as dúvidas dos pais que, se dispondo a afastar-se de suas casas por um fim de semana, e arcando com um custo elevado para participação no workshop, chegaram no encontro sedentos de informações e curiosos quanto à adequação do programa à situação peculiar de seus filhos.
Ela tolheu manifestações, escolheu (parece que por afinidade) os inscritos que queria responder, suprimiu tempo do programa do curso reservado a perguntas e respostas e sumia nos intervalos, mostrando-se absolutamente indisponível.
No questionário de avaliação do curso, fiz minhas considerações e espero que no próximo workshop a falha seja consertada.
Maiores informações sobre o son rise no:
http://www.inspiradospeloautismo.com.br/
FOTOS DO ENCERRAMENTO DO WORKSHOP