Há 8 anos, selei com Leti um compromisso: respeitar sua decisão de não participar de eventos festivos/comemorativos da escola, quando ela achasse que pudesse extrapolar seus limites sensoriais. Desde então, festa de São João, dia da família, gincana, jogos internos, entre outros, são datas que não integram nosso calendário. São dias de folga em casa porque ela sequer aceita(va) estar na escola, mesmo com a garantia de não participação.
Mas este tem sido um ano recheado de surpresas. Percebendo a insistência com que o tema da gincana aparecia no repertório de Leti, e acreditando haver ali um desejo camuflado pelo medo, Marina, sua monitora, cogitou fazermos uma aposta.
Compartilhou a ideia com professores que têm sido grandes parceiros no processo de inclusão da minha pequena, lançando a semente do projeto que teve seu grand finale no último sábado.
Eu já estava profundamente emocionada e satisfeita só com o processo. Acompanhar o esforço de professores comprometidos e colegas carinhosos para a participação de Leti em reuniões, ensaios e atividades desafiadoras e sentir o eco da aposta de todos no brilho dos olhos de minha pequena já representava para mim um sucesso, fosse qual fosse o resultado final.
É que cada etapa vencida representava uma grande superação: aceitar ir ao auditório, subir ao palco, cantar ao microfone, participar do ensaio, testar o abafador, lidar com o imprevisto dos balões, sempre sustentando o compromisso de, pela 1a vez, participar da gincana.
O dia chegou e ela vacilou, tentando dar para trás depois de experimentar camisa, se adaptar ao abafador e contar com o compromisso da escola (além dos professores e colegas) de proporcionar o melhor ambiente possível a sua participação.
Nesta hora eu precisava intervir e optar entre validar uma desistência ou insistir um pouco mais. E só neste momento tive medo. Mas optei por insistir, reforçando a importância dela para sua equipe,ressaltando que sua presença deixaria as amigas mais motivadas para ganhar as provas. Ela sentiu o peso de sua importância, resgatou aquele desejo e se jogou.
É claro que não foi fácil. Quando chegou ela se desorganizou um pouco, mas com o apoio afetuoso da equipe e dos colegas e com as providências sensoriais adotadas pela escola para dar mais conforto aos autistas, ela conseguiu assistir aos colegas no 1o dia da gincana e participar da dança no último. E o melhor, saiu da escola feliz, falante e orgulhosa de si mesma. Como alguém que sabe do grande desafio que tem à frente mas, confiante na rede de segurança ali embaixo, simplesmente se joga e chega onde pretendia chegar.
Poder vê-la (mesmo que por vídeo, porque ela agora é uma adolescente e os eventos não são mais abertos à familia) na escola em dia de gincana, tanto na plateia torcendo pelos colegas, como no centro da quadra, dançando do seu jeito, depois de 8 anos, uma quadrilha me causou uma emoção tão grande que me entorpeceu por todo o fim de semana.
E por ora quero apenas me abraçar com essa emoção e gratidão e viver o momento, independentemente do que o futuro nos reserva.
Mesmo correndo o risco de pecar pelo esquecimento, não quero perder a oportunidade de agradecer à rede que fez minha filha se sentir segura e se jogar neste grande desafio: Marina, fiel escudeira de todos os momentos, Natalie, Geórgia, Tissiane, Viviane, Gildo e toda a equipe da escola que providenciou alterações fundamentais para que o ambiente estivesse mais propício a esta superação.
A experiência mostra que para que a inclusão ocorra de forma efetiva é fundamental o engajamento e a aposta da equipe pedagógica.
Meu desejo é que o envolvimento e comprometimento destes profissionais contaminem todos os outros que ainda não se colocam como partes integrantes da engrenagem da inclusão.