sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Hanen


imagem daqui

No dia 08/10 passado, participei, como havia divulgado aqui, do curso Hanen, ministrado pela fonoaudióloga Natalia Spinelli.

Já alimentava uma curiosidade em conhecer o Hanen desde outubro do ano passado  quando, participando de um workshop de Floortime em Recife (exatamente um ano antes do curso de Hanen), ouvi relatos entusiasmados de pais que aplicavam a técnica em seus filhos.

A (maravilhosa) TO de Leti, que me acompanhou no workshop em Recife, me prometeu que traria o curso para Salvador e, depois de muitas tratativas e tentativas, acabou conseguindo e proporcionando aos curiosos pais a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre esta abordagem terapêutica para crianças com comprometimento de linguagem.

Confesso que no início fiquei meio receosa com o desenrolar do curso, que aconteceu num dia inteiro de sábado, em que tinha vários compromissos agendados, que acabaram por ser adiados. É que a palestrante, antes de entrar nos finalmentes, achou por bem tecer um comentário introdutório, no qual justificou ser a única profissional no Brasil habilitada a aplicar o Hanen em pacientes, a utilizar e traduzir o material fornecido pelo Centro Hanen, a ministrar cursos, etc, etc... Me pareceu meio pernóstico. Mas depois entendi. Parece que alguns (ou alguma, não sei) profissionais têm se aventurado a aplicar a técnica no Brasil, a traduzir e fornecer material didático e a ministrar cursos sem possuir a devida habilitação junto ao Centro no Hanen no Canadá. (Fechado o parêntese, volto a falar do curso.)

Pois bem.

A técnica foi criada no ano de 1975, no Canadá, para tratar, inicialmente, crianças com atraso de linguagem e posteriormente foi aprimorada para ser aplicada também em crianças dentro do espectro autista.

O programa é baseado em evidências e em princípios de educação de adultos, e seus recursos são voltados para pais, cuidadores, educadores e profissionais que lidam com a criança, através de uma combinação de sessões de grupos entre pais e educadores, sessões individuais de devolutivas de vídeos e consultorias, planos de ação e gerenciamento junto às famílias.

O foco do programa é voltado para a comunicação, esta entendida como um processo dialético entre a interação e a introdução da linguagem.

E falar em linguagem não é tão somente pensar na fala do sujeito. A fala é uma das modalidades de linguagem. De linguagem expressiva! Mas tão importante como a linguagem expressiva, é também a linguagem compreensiva da criança, que se manifesta de maneira passiva, mas que nos permite perceber se ela entende o que lhe é comunicado através da palavra, de gestos, símbolos (objetos, fotos, desenhos) etc.

Em relação à linguagem, o programa classifica os níveis da comunicação em quatro:

1) Descobridor: vocaliza, ri, chora, apresenta baixo nível de linguagem;
2) Comunicador: balbucia, aponta, atende a comandos básicos, emite sons específicos para situações específicas;
3) Usuário de primeiras palavras: começa a usar palavras soltas para nomear coisas e expressar desejos;
4) Combinador: começa a combinar palavras (pelo menos duas), usando frases para se comunicar.

Em relação à comunicação, há que se classificar ainda o estilo utilizado pela criança:

a) Agenda Própria: quando a criança faz tudo sozinha, com independência, sem demandar auxílio de ningguém, restringindo, portanto, seu processo de comunicação;
b) Relutante: quando oscila entre momentos de comunicação interativa e outros de isolamento;
c) Passiva: quando se mantém passiva na situação em que for colocada, sem interação, portanto (é aquela que, se colocada em frente a uma TV fica lá o tempo inteiro, só saindo quando for retirada);
d) Sociável:  esta é autoexplicativa.

A classificação do nível de comunicação da criança é importante para que se identifique o estágio em que ela se encontra e aquele que precisa ser alcançado, para que se pense nas estratégias que deverão ser utilizadas.

Nem sempre é fácil identificar UM estágio no qual nossa criança se encontra, já que o processo de formação de linguagem é muito dinâmico, mas deve-se ponderar qual é o que melhor se encaixa no seu perfil, para que se tenha um parâmetro para nortear a utilização da abordagem.

No momento de classificação, há que se desconsiderar as ecolalias, que são repetições descontextualizadas de palavras ou frases ouvidas pelas crianças.

A Teoria do Hanen é baseada na Teoria Sócio Interacionista de Vygotsky, que prega que o desenvolvimento seja impulsionado pela linguagem (e não o contrário, como estabelece Piaget), e tem como objetivo capacitar o adulto para facilitar as crianças a adquirirem ou aprimorarem a atenção conjunta, a interação recíproca, a comunicação intencional, o vocabulário, as combinações de palavras iniciais, a diminuição (ou eliminação) de ecolalias e a alfabetização emergente e crescente.

Sua abordagem é responsiva, priorizando a espontaneidade, diferenciando-se, desta forma, da linha comportamental, que, na minha leiga acepção (está nos meus planos estudar mais a respeito) dá mais ênfase às repetições, que nem sempre vêm associadas aos interesses da criança.

A figura da coruja simboliza bem o que prega a Teoria do Hanen, e sua iniciais (em inglês, OWL) são usadas como referência para os papéis que devem ser desempenhados pelos seus aplicadores: Observe, Wait and Listen.

Esmiuçando: Tem-se que observar a criança, para perceber quais são os seus interesses, que serão tomados como ponto de partida para as atividades propostas; saber esperar o tempo necessário para que a criança inicie a interação, fornecendo uma resposta aos estímulos propostos; e, por fim, saber escutar, compreender e demonstrar à criança que compreendeu qualquer feedback que ela dê ao final deste processo.

Neste ponto, fiquei surpresa ao perceber (analisando um video de Leti no intervalo do workshop) que meu WAIT não anda muito bem trabalhado no dia a dia com minha pequena. Na minha ansiedade, acabo não lhe dando o tempo necessário para oferecer sua resposta ao nosso processo de comunicação. (ter oportunidade de perceber isso já valeu o curso para mim)

O plano de ação do Hanen, então, é composto das seguintes etapas: inicialmente, promover o contato visual a todo o tempo (olho no olho, que pode demandar adaptação, para adulto ficar no foco de visão da criança), praticar o OWL, seguir a liderança da criança (para manter sua motivação), juntar-se para brincar, imitá-la (acrescentando linguagem), interpretar (qualquer iniciativa sua, esperando sua reação) e comentar (acrescentando informação nova ou emitindo um juízo de valor).

Exemplificando, teríamos, por exemplo, na estereotipia do flapping (sacudir as mãos próximo ao rosto): imitação da estereotipia, acrescentando: - está com sono? (interpretar), - então vamos dormir (comentar).

A imitação pode ocorrer repetindo o que a criança diz, fazendo o que ela faz, relacionando ações suas. A interpretação pode ocorrer através de gestos, ênfase a palavras chaves, nominação de objetos, utilização de frases curtas.

Enfatiza-se também a troca de turnos, que consiste na delimitação do tempo de cada um para ter sua participação na atividade. Busca-se, assim, favorecer o diálogo e, a meu ver, conter uma ansiedade comum no quadro de autismo.

As principais estratégias do programa seriam: Juntar-se, Imitar, Sinalizar para ter vez e Equilíbrio adequado entre perguntas e comentários.

Considerando os níveis de comunicação (anteriormente mencionados), propõe-se as seguintes estratégias para a criança:

a) Ao descobridor: juntar-se, interpretar e imitar;
b) Ao comunicador: juntar-se, interpretar e imitar;
c) Ao usuário de primeiras palavras: juntar-se, interpretar e comentar; e
d) Ao combinador: juntar-se e comentar.

A elaboração da estratégia fica a cargo do terapeuta que, juntamente com a família, elaborará um plano de ação para trabalhar as habilidades comunicativas da criança.

Mas a ideia é aproveitar cada oportunidade para fomentar a comunicação da criança, acrescentando linguagem e experiência nas atividades de vida diária, quando ela se mostrar interessada em alguma coisa, quando acontecer algo inesperado, quando algo der errado... a ideia é enriquecer o processo de comunicação. Sempre! Mas respeitando, é claro, o estágio de desenvolvimento da criança.

No frigir dos ovos, a abordagem me pareceu um pouco parecida com a do son rise, com algumas pequenas diferenças. Distingue-se porque o foco do Hanen é a comunicação; todo o resto vem como subsídio para favorecer o processo comunicativo. E este enfoque faz com que tudo que se pense como plano de ação do hanen esteja permeado de intervenções que favoreçam este processo; acrescentando linguagem, interpretações, comentários, proporcionando tempo para as respostas... Isso me parece positivo, já que acredito que o trabalho mais focado tenha mais chances de conseguir melhores resultados.

A postura da palestrante me fez mais simpática à abordagem do hanen que a do son rise. Sua disponibilidade a tirar as dúvidas dos pais, suas dinâmicas (avaliadas de perto) abarcando situações das crianças ali representadas, sua sugestão para apresentação de videos das crianças, para que tentássemos colocar em prática toda a teoria trabalhada ao longo do dia, tornaram o workshop muito mais proveitoso (do que foi o de son rise, para mim).

Enfim, valeu muito à pena!

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Livro sugerido pela autora: It takes two to talk. Jan Pepper and Elaine Weitzman.
Site do Hanen: http://www.hanen.org/

4 comentários:

Anônimo disse...

Jana,
boa sorte com as novas técnicas. Como mãe dedicada que é, tenho certeza que extrairá todo o potencial de sua pequena, para que ela vá além de qualquer limitação.
Pergunto: a escola de Leti tem uma abordagem específica de acolhimento de crianças que necessitam de maior estímulo? Aqui em Salvador tenho ouvido falar bem de 3 escolas sob essa ótica: Criação (admite até a presença em sala de aula de profissional particular especializado, para reforçar o estímulo, veja com a direção), Tempo de Criança (muitos professores tem pós em educação especial e a inclusão é uma realidade verificada em muitas salas de aula) e Kimimo (indicada por alguns terapêutas). Fique atenta a esse ponto, pois creio que faz diferença. Boa sorte!
Ana.

Sheila Ferraz Chastinet disse...

Se importa em me passsar os contaos da TO e Fono de Leti?
bj
Sheila

Anônimo disse...

Não é bem assim que a técnica comportamental se posiciona. Ela reforça o comportamento adequado para que ele se repita, entre outros...

Anônimo disse...

Não me agrada imitar esteriotipias e comportamentos numa tentativa que a criança entender que queremos e estamos ali para brincar com ela. Isso é muito sério. Devemos sim, reforçar bons comportamentos. Ensinar comportamentos adequados para substituir pelos indesejáveis. Também não acredito que tenhamos que esperar iniciativa em todas as situações. O melhor é sempre criar "armadilhas", estratégias para envolvê los e assim motiva los a colaborar com as demandas. Começamos com o Son Rose no início do tratamento o nosso filho. O contato visual realmente foi imediato. Mas foi só isso. Quando entendi que estávamos reforçando comportamentos ruins, e começamos a ensiná lo o jeito certo, premiando suas tentativas e acertos, começamos verdadeiramente a lutar de igual para igual contra o autismo.

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