sábado, 6 de julho de 2013

O que você demora é o que o tempo leva... Ou não!

Há tempos ando cozinhando este post...

Desde o início do ano, quando uma pedagoga engajada em matéria de inclusão, e mãe de um menino com deficiência da idade do meu primogênito, me chamou para uma conversa depois de saber, através da escola de Leti, das minhas angústias (naquele tempo) sobre a minha pequena, tenho feito umas ponderações acerca da relação entre o tempo de Leti com suas atividades e o seu desenvolvimento.

E agora estas minhas ponderações estão me inquietando mais.

Explico por quê.

É muito comum que "pais especiais", quando descobrem que seus filhos têm um atraso no seu desenvolvimento (seja motor, cognitivo, de comunicação, ou o que quer que seja), queiram, num primeiro momento, investir tudo o que lhes esteja ao alcance para proporcionar a estes filhos a chance de recuperar o tempo perdido.

E assim, muitas vezes, acabamos ocupando todo o tempo livre de nossas crianças com fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicólogo, aulas de música, de natação, equoterapia..., sempre imbuídos da melhor intenção, que é a de ver o progresso dos nossos pequenos.

Há, inclusive, abordagens terapêuticas que condicionam os bons resultados do trabalho a uma exposição mínima da criança com deficiência a 40 horas semanais de atividades de estímulo, dentre as quais se incluem as atividades escolares.

Sempre tive muito receio da ocupação excessiva do tempo de Leti, embora reconheça que ela sempre fez muitas atividades de estimulação. Recentemente, além da Ciranda, que contempla um trabalho terapêutico integrado e em grupo, ela ainda tinha psicóloga, fono, aula de música, de natação e escola. Mas vinha dividindo os turnos da escola com a Ciranda, o que deixava suas manhãs um pouco mais livres.

Agora neste segundo semestre, a Ciranda vai para o contraturno. O que significa que, além de ter todas as tardes ocupadas com a escola, Leti terá três turnos matutinos destinados à Ciranda, o que lhe renderá apenas duas manhãs livres para as atividades remanescentes e para o tempo de ser criança.

Como atividades remanescentes, leia-se: psicóloga, fono, natação e música.

Cheguei a conversar com sua psicóloga sobre as atividades e o que ela me disse foi que Leti dará mostras de desconforto se as atividades que faz estiverem sendo demasiadas para ela. Ainda assim, estou avaliando a possibilidade de suspender as sessões de fono, considerando que na Ciranda já há um trabalho direcionado para a parte de comunicação.

As aulas de natação e música sequer cogitaria em suspender, já que são atividades que, indiscutivelmente, lhe proporcionam enorme prazer. E a terapia individual também considero fundamental, tendo em vista o enfoque da psicóloga, que vem trabalhando com Leti a constituição e o reconhecimento do seu "eu", e o suporte que ela tem me dado no trato com meus filhotes.

O fato é que essa dúvida quanto ao limite de atividades de Leti nunca me deixa. Sempre vivo nos meus dilemas, sem saber se ela precisa de várias atividades, para poder ser estimulada corretamente, ou se precisa de tempo livre para fazer o que quiser.

Certa vez, conversando com a mãe de uma menina com down, que fazia terapia junto com Lipe, e que era uma lindona de tão esperta (falo no passado porque acabei perdendo o contato), fiquei super deprimida, me sentindo o cocô-do-cavalo-do-bandido, enquanto ela me relatava, visivelmente motivadíssima, como, ao longo de toda a infância de sua filha, havia aproveitado cada momento, sem se dar direito a descanso, e a uma vida out filha, cuidando dela, estimulando-a, levando-a a terapias, lendo, estudando, enfim, fazendo tudo em função de sua filha, o que incluiu, inclusive, o abandono do trabalho para poder lhe dedicar atenção exclusiva. Ela falava pelos cotovelos, sempre me aconselhando a fazer o mesmo e a não desperdiçar um segundo sequer da vida da minha filha, estimulando-a diuturnamente para poder obter bons resultados.

Saí me sentindo a mais incompetente das mães, já que, apesar de achar que procuro estimular a minha filha, nem de longe chego a essa dedicação exclusiva e exaustiva proposta por esta mãe. Mas, passada a crise, coloquei-me a pensar se, realmente, aquele seria o melhor caminho.

De acordo com essa mãe, cada segundo que não fosse aproveitado para estimular sua filha seria uma oportunidade perdida para promover o seu desenvolvimento. A mãe precisava ser, portanto (na minha modesta conclusão), uma deliberada máquina de estimulação infantil.

E tudo o que não quero ser para a minha filha é uma máquina de qualquer coisa que seja.

Lembro-me bem de uma avaliação que fiz com uma psicóloga, quando Leti nem um ano de vida tinha ainda, e eu lhe perguntava se podia carregar minha pequena virada para mim, desobedecendo a fisioterapeuta, que orientava que eu a carregasse virada para o mundo, para tentar corrigir sua hiper extensão de pescoço. Sua resposta marcou aquele momento da minha vida. Ela me disse algo do tipo "Sempre que tiver alguma dúvida, se pergunte: - isso pode fazer mal a minha filha? E acrescentou que não lhe parecia que carregar Leti virada para mim, aconchegando-a em meu colo, pudesse lhe fazer qualquer mal, ainda que, tecnicamente, não fosse a maneira mais apropriada para favorecer a melhora da sua postura. Concluiu que fisio de Leti qualquer uma podia ser, mas mãe, só eu".

Naquele momento despertei para a possibilidade de ser simplesmente mãe da minha filha, ao invés de tentar ser sua mãe-fisio-fono-TO-pedagoga-e-tudo-mais.

Mas, ainda assim, por muito tempo, oscilei bastante o meu comportamento em relação a minha filha. Por vezes, investia numa relação leve, de mãe e filha, desprovida de grandes preocupações, e, muitas vezes, sucedida por homéricos acessos de culpa; por outras, procurava manter-me mais engajada em estudos e práticas que pudessem promover seu maior desenvolvimento, ocupando seu tempo com atividades que buscassem lhe ensinar alguma coisa, ainda que ela não demonstrasse qualquer interesse em aprender. O meio termo sempre foi difícil para mim. Acabo de descobrir que sou uma mulher de extremos!

Depois da má fase que ela passou no início do ano, e do acompanhamento com a excelente psicóloga que passou a ter, mudei a maneira de enxergar a minha filha e a forma de aproveitar o tempo que temos juntas.

A partir de então passei a valorizar mais o eu-simplesmente-mãe, quando ele entra em conflito com o eu-mãe-estimuladora-de-uma-filha-com-deficiência. Porque, logicamente, sempre que posso conciliar, procuro estimular a minha filha da maneira orientada pelos terapeutas. Até porque acredito que o trabalho com os terapeutas tem que ser feito em parceria e que esta parceria traça o caminho em direção ao sucesso. Apenas optei por não entrar na nóia de ter que ser para a minha filha uma Super Estimuladora, 24 horas por dia, sem direito a descanso, com medo de desperdiçar suas oportunidades de desenvolvimento.

Aprendi a interpretar melhor suas formas de comunicação, orais ou corporais, dando-lhe um retorno sobre seus sentimentos quando seu corpo tenta falar por ela, a valorizar suas manifestações de vontade, optando pelas atividades que ela demonstra desejar realizar, em detrimento daquelas que ela repudia, sempre deixando claro que estamos optando por essa ou aquela atividade porque ELA preferiu assim.

E tem sido delicioso descobrir o ser desejante que existe dentro da minha filha. Tem sido muito prazeroso auxiliá-la a dar nomes aos sentimentos que a impulsionam a suas estereotipias. Tem sido recompensador limitar-me a dividir com ela momentos que lhe proporcionam prazer, buscando alternativas de modus operandi para as atividades que acho importantes, mas que não a motivam, seja por se tratarem de meras atividades de repetição, seja por  exigirem dela um esforço que ela não está disposta a despender.

Sei dos estudos sobre a plasticidade cerebral, sei que nesta fase da vida temos um terreno propício a bons estímulos e grandes aprendizados, mas não quero cobrar da minha filha um preço que ela não possa pagar, ou que lhe seja custoso demais, para buscar, sem garantias, esse desenvolvimento.

Sinceramente, se a opção pelo respeito a suas vontades implicar numa maior demora para aprender certas coisas, vamos esperar, e estarei convicta que este tempo não será perdido, mas ganho em qualidade de uma vida feliz, que é o que busco para minha princesa.



4 comentários:

Sheilla Amorim A Mascarenhas disse...

Gostei muito da sua conclusão, amiga!!! Claro que não é a mesma situação, mas o aprendizado que a gente tem, quando aprendemos a prestar atenção aos sentimentos dos filhos, é incrível. E os resultados também!

Natalie disse...

Muito bonita a sua reflexão, sua maneira de ajudar a sua filha a ser dona da própria vida. Acho que amor é também sinônimo de respeito pelo outro, o que inclui respeito pelo tempo e pelas escolhas do outro. às vezes, muitos de nós, não percebemos isso. Me reconheci em muito do que você disse.

Unknown disse...

Janaína, estava procurando imagens do max steel para o aniversário do meu filhote quando deparei com o seu blog e fiquei encantada. E quanto mais pesquisa nele, mais me despertava a curiosidade e o interesse em lê-lo, até que encontrei este post! Sou mãe de um casal de gêmeos com (atualmente e finalmente diagnosticado) atraso de linguagem, porém, com o comportamento sugestivo do espectro do autismo aos 2 anos de idade. Ao longo desse tempo, entre idas e vindas à TOs convencionais, TOs com ênfase à alterações do processamento sensorial, fonos etc, conclui que apesar de não ter a formação acadêmica desses profissionais, eu era a mãe e quem pode entender melhor aquele "serzinho" gerado por nós? Ninguém mais, a não ser nós mesmas, pode saber o que os nossos filhotes sentem e querem somente pelo olhar, expressão facial ou pelo tom de voz! Ninguém vai entender nunca, a não ser nós, que quando o filho está com as mãos frias mas o termômetro insiste em afirmar que a temperatura está normal e algumas horas depois ele está com febre! Ninguém mais é capaz de largar tudo e SEMPRE arranjar tempo para eles! Mesmo se está doente, cansada ou tem uma super reunião para participar! Então, Janaína, pode ter certeza de que a sua filha foi entregue a pessoa certa neste mundo! A pessoa observadora, carinhosa, atenciosa, preocupada, na medida certa, otimista e confiante, ou seja, a você! Parabéns pela sua dedicação e pelo desenvolvimento da sua pequena e continue sempre apostando e seguindo os seus instintos maternais. Beijos para você e para a sua filhota.

Unknown disse...

Janaína, estava procurando imagens do max steel para o aniversário do meu filhote quando deparei com o seu blog e fiquei encantada. E quanto mais pesquisa nele, mais me despertava a curiosidade e o interesse em lê-lo, até que encontrei este post! Sou mãe de um casal de gêmeos com (atualmente e finalmente diagnosticado) atraso de linguagem, porém, com o comportamento sugestivo do espectro do autismo aos 2 anos de idade. Ao longo desse tempo, entre idas e vindas à TOs convencionais, TOs com ênfase à alterações do processamento sensorial, fonos etc, conclui que apesar de não ter a formação acadêmica desses profissionais, eu era a mãe e quem pode entender melhor aquele "serzinho" gerado por nós? Ninguém mais, a não ser nós mesmas, pode saber o que os nossos filhotes sentem e querem somente pelo olhar, expressão facial ou pelo tom de voz! Ninguém vai entender nunca, a não ser nós, que quando o filho está com as mãos frias mas o termômetro insiste em afirmar que a temperatura está normal e algumas horas depois ele está com febre! Ninguém mais é capaz de largar tudo e SEMPRE arranjar tempo para eles! Mesmo se está doente, cansada ou tem uma super reunião para participar! Então, Janaína, pode ter certeza de que a sua filha foi entregue a pessoa certa neste mundo! A pessoa observadora, carinhosa, atenciosa, preocupada, na medida certa, otimista e confiante, ou seja, a você! Parabéns pela sua dedicação e pelo desenvolvimento da sua pequena e continue sempre apostando e seguindo os seus instintos maternais. Beijos para você e para a sua filhota.

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