domingo, 8 de julho de 2018

Na paz do seu sorriso, meu sonho realizo...

Lá se foram o primeiro semestre letivo e as férias do meio do ano. E amanhã a vida retoma sua rotina, com o retorno das aulas das crianças.
 
A sensação que me invade é de paz. Como se, finalmente, o furacão que rondava a minha casa, a minha vida, tivesse se dissipado para longe. Definitivamente! No mais longínquo, ainda que não eterno, significado que a expressão possa ter. Pelo menos assim espero.
 
Sem qualquer sombra de dúvida, o primeiro semestre de 2018 foi, senão mais difícil, umas das mais difíceis fases que vivi em relação a Leti. Ou talvez outras semelhantes tenham se apagado da minha memória unicamente em virtude do passar do tempo. Vai saber...
 
Desde o início do ano, quando tivemos consulta com uma psiquiatra em Salvador que já tinha acompanhado Leti tempos atrás, vivíamos uma saga para tentar chegar à dose exata da medicação que pudesse dar resposta a alguns aspectos que nos preocupavam àquela época: o sono péssimo, a compulsão alimentar, os medos generalizados e as autolesões.
 
Naquela época, Leti tomava duas medicações e a médica sugeriu incluir uma terceira, de forma gradativa, até chegarmos à dosagem ideal, imaginando dar uma melhora em seu quadro geral.
 
Logo depois de incluirmos a 3a medicação, suspendemos a que tomava para controle da compulsão alimentar e que não estava dando resposta, voltando, então, ao uso duas medicações.
 
O fato é que, embora depois de aproximadamente dois meses da mudança, Leti tenha apresentado excelentes resultados em relação às autolesões, à compulsão e aos medos, dando uma ampliada significativa na sua forma de comunicação e no interesse por coisas que já há muito não lhe interessavam, passado este breve período, ela teve uma piora acentuadíssima!
 
A sensação que nos dava era que a atividade cerebral dela estava a mil por hora e que ela precisava se ligar no 220w para dar conta de toda informação que recebia.
 
Ela não parava quieta! Andava de um lado para o outro em casa o dia inteiro, não dormia, não se concentrava em ABSOLUTAMENTE NADA! Nem a TV e os livros de história, que costumavam lhe entreter, seguravam sua atenção por mais de cinco minutos. Passou a apresentar atitudes inadequadas que já não tinha, como mexer em vaso sanitário, jogar coisas pela janela, quebrar conscientemente objetos... Num breve período de tempo, quebrou o notebook de Samir, o meu, o celular da casa que ela usava para ver vídeos e outras coisas menores. E fazia pouco caso quando lhe chamávamos atenção, como se não conseguisse compreender a seriedade dos atos. (E ela já conseguia compreender certo e errado e as repreensões que eventualmente aplicávamos).
 
Por todo o primeiro semestre, não conseguiu assistir a um filme inteiro no cinema ou um espetáculo no teatro, atividades que sempre a divertiram muito.
 
As autolesões deram lugar às lesões ao próximo. Passou a morder e beliscar muito quem estava por perto. Às vezes para demonstrar descontentamento, às vezes por mero deleite.
 
Passei um período com os braços cheios de cicatrizes dos beliscões que ela me dava.
 
Na escola, sua concentração estava nula! Não aceitava ficar por muito tempo na sala, não sentava para fazer atividades, se desinteressou pela biblioteca, machucava sua monitora...
 
À medida que íamos mexendo na dosagem da medicação, íamos percebendo as mudanças.
 
Passou por um longo período com uma hiperatividade exacerbada, algum incomum, já que ela sempre teve tendência à hipoatividade, e muito tagarela. Depois, a hiperatividade se fez acompanhar da reversão da melhora comunicativa. Em seguida, passou por um breve período de comportamento letárgico.
 
Curiosamente, no ápice da sua hiperatividade, a compulsão alimentar esteve mais controlada e, em TODO o período, desde o início, as autolesões desapareceram!
 
Como se não bastasse, no dia do seu aniversário, ela começou a apresentar mostras de um problema ortopédico que nos preocupou.
 
Começou mancando, depois com dificuldade para se levantar e abaixar, depois para andar. E dores. Quando as dores atingiram um patamar insuportável, apelamos novamente para a emergência e, ante a necessidade de se submeter a uma ressonância, ela acabou precisando ficar internada (por um dia e meio)
 
Aquela hiperatividade deu lugar a um esmorecimento desolador!
 
Que tristeza ver minha filha, que tem um limiar tão alto para dor, reclamar de dor a ponto de ficar imóvel, por medo de se mexer.
 
Com a alta médica, veio o alívio da dor e um norte para o tratamento efetivo das suas causas, ante o diagnóstico apresentado pela ressonância. A próxima etapa é a consulta com um reumatologista, que está marcada para o próximo dia 12.

Passada a fase crônica vislumbro uma Letícia, finalmente, mais plena.

Retomou o interesse pela leitura, e os livros de Cachinhos Dourados e Chapeuzinho Vermelho, em suas múltiplas versões, assumem um protagonismo nos momentos do seu dia a dia; parece ter atingido um ponto de equilíbrio  nos comportamentos cotidianos; parou de machucar as pessoas (os beliscões, quando aparecem, são muito raros), está mais comunicativa, mais engraçada e apaixonante, como costuma ser; parou de quebrar coisas e de apresentar inadequações de entendimento; está mais carinhosa, demandando nossa atenção de maneira correta, mais sorridente, mais compreensiva.
 
Sinto que tirei um peso enorme dos ombros. Passamos meses em que não podíamos nos descuidar dela por um segundo, com medo do que poderia acontecer. Escapou de ser cortada algumas vezes, ao quebrar taças de vidro expostas na sala. Fugiu de casa e foi encontrada na escada do 8º andar do nosso prédio; jogou o celular de Lipe pela janela, que foi salvo pela tela de proteção.
 
E não dormia. Nos levava a exaustão porque além de não dormir, não nos deixava dormir também. E era exatamente nestes momentos, quando o cansaço comprometia nossa paciência, que ela ficava ainda mais agressiva conosco. Por vários dias me vi, enquanto dirigia para o trabalho de manhã, chorando sozinha de cansaço e de culpa por sentir tantas coisas que não gostaria de sentir.
 
Hoje o cansaço que ela causa é o de ter que ler mil vezes o mesmo livro, que ela atentamente acompanha com um interesse encantador. Mas esse é um cansaço delicioso e que usufruímos com a gratidão de quem passou por momentos absurdamente difíceis.
 
Hoje, depois de muuuito tempo, conseguimos fazer uma programação cultural de fim de semana que ela acompanhasse com interesse e prazer.
 
A sensação de vê-la caminhar pelo chão irregular da área externa do MAM e usar o pincel para pintar a tela presa na parede ou um pedaço de argila para brincar, com um sorriso no rosto, foi indescritível!Contar com sua companhia e disponibilidade para o espetáculo de Carol Levy, em seguida, na Caixa Cultural, foi melhor do que ser sorteada na mega sena.
 
Com o coração leve e tranquilo, e com a convicção de que o amor e o acompanhamento adequado (no caso, preciso ressaltar que sua psiquiatra foi de uma atenção irretocável, sempre disponível no momento que precisamos) sempre trarão bons frutos, sinto que, finalmente, a turbulência do primeiro semestre cede espaço para boas novas.
 


 
 
 
 
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