domingo, 15 de maio de 2011

Son-Rise

Nos dias 01 a 03 de abril estive em Florianópolis com Samir, para participar de um Workshop sobre Son-Rise, abordagem terapêutica educacional para tratamento de crianças autistas.

Sempre depois de um curso, gosto de parar para escrever sobre ele porque isso me permite reforçar e sistematizar o que aprendi e criar um juízo de valor acerca da sua utilidade prática em minha vida.

A proposta do son-rise é sedutora! A abordagem foi criada, por um casal de pais, na década de 70, para ser aplicada em seu filho, criança com diagnóstico de autismo severo, quando todos os profissionais haviam retirado desses pais qualquer esperança de melhora no estado de interação daquela criança.

Confesso que não fui para o curso com a pretensão de aplicar a abordagem em Leti. Sabia que todo o trabalho partia da brincadeira (já tinha um livro com algumas propostas de brincadeiras, com base no son rise) e o que buscava ali, de fato, eram alguns insights para poder melhor brincar com minha filhota.

Mas saí com uma certeza no coração: minha filha está no espectro autista. Já tinha esta suspeita, mas saí  de lá com esta convicção, mesmo sem que qualquer médico tenha me dado tal diagnóstico.

Como a abordagem é bem direcionada a autistas, o curso se iniciou tratando um pouco do autismo.

Hoje em dia, dificilmente se diz que uma pessoa é autista. É mais comum a utilização da expressão "estar no espectro autista". Eu ouvia muito a expressão, mas não tinha uma ideia exata do que se tratava. Tirei algumas dúvidas lá. O autismo clássico normalmente acarreta uma interação social comprometida, pouca linguagem funcional e interesses restritivos e comportamentos repetitivos.

Como são três características, e que podem apresentar variações em diversas escalas, chegou-se à conclusão que o autismo na criança pode-se apresentar de distintas maneiras e graus, o que se levou à utilização da expressão espectro autista.
Dos aspectos típicos, a dificuldade na interação foi um que sempre chamou atenção em Leti. Ela não olhava nos olhos, não respondia quando chamada, não sorria às brincadeiras que faziam com ela... Isso já teve uma grande melhora. Mas ainda discrepa muito da criança típica. De vez em quando, ainda percebo a frustração das pessoas que não a conhecem, quando fazem uma gracinha e ela não dá a mínima.

Sua linguagem funcional ainda não aflorou como gostaria, mas, neste aspecto, acho que é só uma questão de tempo. Fala umas palavras, já se expressa um pouco, demonstra entender o que falamos. É o que menos me preocupa dentre as características autísticas.

Em relação aos interesses restritivos e comportamentos repetitivos, tenho grande preocupação. Percebo muito isso na minha pequena. Seus interesses são notoriamente restritos. Apesar de ter inúmeros brinquedos, poucos a interessam. Nesta fase, tem curtido teclados, massinha de modelar e... só. Com a massinha, tem se restringido ao movimento repetitivo de fazer a cobra. E tem repetido o movimento com gizes, lápis, e outros brinquedos. Temos tentado transformar isso, mas está difícil. O teclado, gosta de tocar. Mas enjoa logo. De vez em quando, brinca com outra coisa, como o basquete, uns bloquinhos, comidinhas, mas, na maior parte das vezes, leva o brinquedo à boca. Com brinquedos de ação e reação interage bem. Aqueles que a gente aperta um botão e um bichinho aparece, ou toca uma música. Ela aprende logo a manejá-los e fica no aperta aperta por um tempão. Devagar e sempre vamos tentando ampliar seu interesse pela brincadeira.

Comportamentos repetitivos. Estereotipias. Ismos (para o son rise). Ela tem muito! Em alguns momentos, mais; em outros, menos. É o balanço para frente e para trás (que faz muito), o balançar da mão (flapping), o barulhinho repetitivo (que não sei descrever), as contrações abdominais.

Isso me enlouquece. Porque não sei como lidar. Não sei se devo obrigá-la a interromper, se devo distraí-la para que pare sozinha, se devo deixá-la para ver até onde vai. Às vezes choro de desespero por não saber o que fazer nesses momentos.

É também o ponto mais polêmico do son rise. Porque eles sugerem que entremos no mundo da criança e, nesses momentos de ismos, façamos uma espécie de imitação do movimento, sem julgamentos, para entendermos as sensações da criança. Se ela se balança para frente e para trás (o que descobri ser muito comum em autistas), ficamos ao seu lado e nos balançamos também. A ideia é tentar descobrir a sensação prazerosa que o ismo proporciona e tentarmos oferecê-la num comportamento socialmente aceito.

Sinceramente, não me sinto à vontade, e nem acredito que a repetição fará com que a estereotipia desapareça. Acho que a reforça. Fora que não há nenhum embasamento teórico que demonstre o benefício da técnica da repetição. É tudo muito empírico.

Pois bem. Já que comecei a falar da técnica, melhor que o faça do começo.

O programa son rise deve ser dirigido pela família. A família faz um treinamento com profissionais do son rise, é traçado um perfil da criança, são determinados os objetivos do programa e, a partir daí, alguns voluntários serão selecionados para ficar por horas com a criança, no quarto de brincar montado em sua casa, estimulando-a. Os pais orientarão os voluntários passam a assumir a direção do programa.

O foco principal do programa é favorecer a interação, o olho no olho. A interação tem que estar bem estruturada para que se passe a trabalhar objetivos específicos com a criança. Acredita-se que, com a interação normal, o aprendizado e o desenvolvimento surgem espontaneamente.

São pilares da abordagem:

1) Aceitação, que é diferente de resignação, de pena. É a aceitação plena da criança, da maneira que ela é, sem julgamentos, associada à crença de que ela faz o melhor que pode.

2) Valorização é a ênfase aos talentos, às possibilidades. É procurar encorajar a aprender mais, estimulando sempre a auto estima.

3) Celebração. É a comemoração verdadeira pelas habilidades que a criança já tem, pelos precursores de uma nova habilidade e pelas habilidades novas, quando adquiridas. O tempo todo, no son rise, pratica-se a celebração.

Fala-se muito também em interação responsiva, no sentido de seguir os interesses da criança e dar resposta imediata a todo e qualquer comportamento da criança, fazendo com que ela se sinta controladora da situação.

A razão da responsividade é favorecer a interação da criança com seu mediador, e fazer com que ela perceba que, interagindo, da menor maneira que seja, ela pode conseguir tudo o que deseja.

À medida em que a interação vai se estabelecendo de maneira mais sólida, passa-se a solicitar um pouco mais da criança, nos momentos das atividades, até que se consiga chegar a nível tal de interação e desenvolvimento que as características autísticas da criança passem desapercebidas.

Não conseguiria resumir aqui tudo o que aprendemos em três dias inteiros de workshop em Floripa. Repito, a proposta do son rise é sedutora, e o modus faciendi apresentado é cheio de detalhes e sugestões que não caberia repetir aqui, para não ficar (ainda mais) cansativo.

Mas tenho algumas objeções em relação ao programa.

A primeira já antecipei. Discordo da sugestão de que nos juntemos à criança para imitar suas estereotipias. Até acho legal a ideia de tentar entrar no mundo da criança para tentar tirá-la de lá. Mas imitando estereotipias, não! Logo que voltei até tentei, mas não consegui. E não acho que esse seja o caminho.

Segundo: não sei se confinar uma criança a um quarto de brincar, afastando-a do mundo, no início do programa, seria a melhor maneira de trabalhar a sua interação. Tenho sérias restrições quanto a isso.

Terceiro: não acho, ao contrário do que pregam, que o son rise seja a solução dos problemas para todo e qualquer autista. Aliás, não acho que nenhum programa, por si só, possa curar uma criança do autismo, como sugerido no curso. E acho que nós, pais de crianças especiais, temos que tomar muito cuidado ao participar de cursos como esses, que vendem a certeza da cura do autismo, para não investirmos mais do que podemos em algo que não vai nos dar o retorno que estamos esperando que dê. Não quero parecer pessimista. Acho que devemos ir em busca de cada fio de esperança de uma melhor qualidade de vida para nossos filhos (e quem me conhece sabe que não me acomodo); que devemos procurar conhecer tudo de novo que estão tentando por aí. Mas acho também que precisamos ter um mínimo de senso crítico, para sabermos avaliar o que, de fato, pode e deve ser trabalhado em nossos filhos.

E, no atual estágio em que Leti se encontra, não trabalharia com ela unicamente o programa son rise, embora, acredite que várias das técnicas utilizadas no programa podem ser utilizadas no nosso convívio familiar, com grande probabilidade de sucesso o que, para mim, já fez valer à pena a participação no workshop.

Aliás, como disse Fernando Pessoa, tudo vale à pena quando a alma não é pequena.

Por fim, não podia deixar de dizer que fiquei profundamente decepcionada com a postura da palestrante. Não tenho o que falar a respeito do seu domínio sobre o tema. Mas, num workshop direcionado a pais, com programação em seu roteiro para perguntas e respostas diárias, esperava, no mínimo, que a palestrante demonstrasse um pouco mais de interesse em esclarecer as dúvidas dos pais que, se dispondo a afastar-se de suas casas por um fim de semana, e arcando com um custo elevado para participação no workshop, chegaram no encontro sedentos de informações e curiosos quanto à adequação do programa à situação peculiar de seus filhos.

Ela tolheu manifestações, escolheu (parece que por afinidade) os inscritos que queria responder, suprimiu tempo do programa do curso reservado a perguntas e respostas e sumia nos intervalos, mostrando-se absolutamente indisponível.

No questionário de avaliação do curso, fiz minhas considerações e espero que no próximo workshop a falha seja consertada.

Maiores informações sobre o son rise no: http://www.inspiradospeloautismo.com.br/

FOTOS DO ENCERRAMENTO DO WORKSHOP

9 comentários:

Mariana - viciados em colo disse...

ai, jana, como aprendo com vc!

concordo com sua postura, quando diz que vai criticar e colher de cada técnica apenas aquilo que se adapta à sua família. adotar um método como único capaz, negando todos os outros, chega a ser fanatismo.

neste final de semana, fiquei sabendo que uma colega de alice foi diagnosticada aos dois anos com um grau leve de autismo. eu não conhecia ela e não se o diagnóstico foi incorreto ou se ela se curou. dos três "sintomas" não consigo identificar nenhum nela, muito pelo contrário!

fiquei com a pulga atrás da orelha, pois eu achava que autismo não tinha cura. que todos os métodos e ferramentas serviriam para uma melhoria, mas não para uma mudança de condição. e vc falou que eles se propõe a "curar o autismo". enfim... fiquei curiosa!

percebi que o ponto que te traz mais sofrimento são estes "ismos". será que por isso não consegue "embarcar"? concordo com vc que pode reforçar, mas por outro lado pode fazê-la perceber o que está fazendo de maneira mais clara, além de te dar mais ferramentas para lidar com isso.

quais são os prejuízos que estes "ismos" trazem de verdade? qual a vantagem de impedi-los? porque vc coloca este como um comportamento não aceito socialmente.

desculpe as perguntas ignorantes, acho que informação nunca é demais, para ignorância só tem um remédio: informação e isso encontro aqui, da melhor qualidade.

beijoca

Ana Paula Pacheco disse...

Olá Janaína!

Obrigada por dividir esse conhecimento!
Acredito que cada criança é única e suas particularidades tbém. Temos o quarto de brincar, repleto de "pinduricos" (proibido pelo son-rise) pq não precisamos trabalhar mais o contato visual. Adaptei conforme a necessidade do momento.
Acredito, que devemos usar nossa sensibilidade para perceber o que realmente funciona ou não, de acordo com as necessidades da criança. Penso, que devemos conhecer todas as abordagens possíveis, misturá-las e usar tudo o que servir, deixando de lado outras coisas.
Aprendo muito contigo!
Grande abraço!
Beijo nos teus filhos lindos!
Ana Paula

Renata disse...

Nossa, que bom que o final de semana foi proveitoso, apesar de suas restrições. Achei muito interessante tudo o que vc escreveu sobre o programa e, especialmente, as suas restrições.
Obrigada por nos ensinar tanto.
beijo

Unknown disse...

Jana, você sempre nos ensinando e trazendo sua valiosa percepção sobre os cursos, palestras e workshosp de que participa! Você tem noção de quantas pessoas vc ajuda compatilhando tanta coisa boa?

Amiga, te adoro e te admiro muito. Sou sua fã!

Bjos!

Anônimo disse...

Oi Jana!!!

Passei aqui para agradecer seu comentário lá no blog! Obrigada, querida! Realmente estamos muito felizes com este novo momento em nossas vidas!!!

E aí aproveitei tb para ler seu post e achei muito interessante todas as suas colocações. Não entendo nada sobre autismo, e confesso que o pouco que sei é porque leio aqui no seu blog. Sempre aprendo um pouco quando chego por aqui!

Boa sorte em suas experiências com a Leti! Certamente ela já é uma privilegiada por ter pais tão preocupados como vcs!

Um beijo grande
Ju

Karla Coelho disse...

Vamos aos meus comentários já que sou uma pessoa fã do método son rise :)

Primiro: o melhor dos congressos e workshops são ótimos para encontrar outros pais e trocar experiências! Só aí já vale MUITO a pena e o dinheiro investido.

Segundo: só de saber o que sua filha tem e se identificar com as características você já ganhou muito. É um norte para procurar o melhor tratamento ou tratamentos.


terceiro: essa estratégia de copiar a criança é feita por que? Porque quando uma mãe ganha um bebê e vai ensiná-lo a falar ela IMITA os sons que o bebê já faz: angu, buuuu, dada, gugu, etc. Isso faz com que o bebê confie na mãe e omece a imitá-la. Aí ela começa a falar outras palavras e o bebê aprende. Através disso, a mãe que criou o son rise viu uma ponte entre a criança e os pais não importa a idade. Se você imitar a criança, ela vai ver que vc não acha aquilo esquisito e até gosta e por isso passa a confiar em vc então uando vc ensinar outras coisas, ela vai aprender. Não imitamos o Lu mas aceitamos toda e qualquer tipo de brincadeira esquisita que ele propõe e ele AMA eu e Luiza e nos respeita muito. Depois posso te contar sobre algumas brincadeiras esquesitas.

quarto: se vc não acha legal ficar no quarto por muito tempo, faça como eu e Luiza: pratique son rise por toda a casa. Na cozinha preparando uma comida pode ser ensinado cores, texturas, números (Lu aprendeu números no microondas), no banheiro ao tomar banho (desenhando no vapor do vidro, com brinquedos, quente e frio, etc), no quarta fazendo realmente as dinâmicas para olho no olho, fala, etc... em qualquer cômodo. Elogie a todo momento e pense: sempre é momento pra ensinar brincando.

Quinto: o autismo pode não ter cura mas é tratável e os pais que criaram o son rise "curaram" o filho que era autista severo. Ele pode ter muitas características autiísticas mas vive normalmente em sociedade. Acredito que uma criança pode sair do espectro e meu irmão é a prova que isso pode acontecer já que hj é um autista de alto funcionamento. Mas acho que uma criança deve ser estimulada de várias maneiras e não só com son rise. Lu faz dieta SGSC, neurocognitivo, fono, terapia e son rise.

Quanto ao palestrante, imagino que deva ter surgido inúmeras dúvidas portanto ele deveria ter pedido que as pessoas anotassem as dúvidas e os emails e depois ele respondia com calma. Não importa se a pessoa veio de fora ou mora na cidade, se pagou caro ou barato, ela merece ser tratada com respeito e sair do evento feliz.

Bom, meu comentário foi um outro post, rs.

Beijos!

Luciana disse...

Jana,
Vc não faz idéia de como é bom poder compartilhar destes momentos, da evolução de Leti, do seu conhecimento, da sua luta diária. Amiga, vc é uma guerreira!
Sei que seu coração de mãe seguirá o for melhor para nossa princesa. Sempre que o desespero bater, lembre-se do quanto Leti tem evoluido, no ritmo particular dela... Vamos entrar na dança dela, seguindo este ritmo.
Obrigada pelas notícias. Bjão

Anônimo disse...

Oi Janaína,

eu recebi hoje a conclusão da neuro e da psicóloga que diagnosticaram o meu filho dentro do espectro autista. Bem, a dor lateja. O amor é intenso, as preocupações também. Vamos seguindo. Eu estou fazendo investigação genética, devagar. Uma angústia que nem consigo explicar, algumas vezes. Muita esperança, no todo.
Um beijo.
Alessandra
caminhandopeloautismo.blogspot.com

Sarah disse...

Oi Janaína! Faz tempo que eu não passava por aqui, estou lendo os posts que perdi e gostei particularmente deste. Engrosso o coro de agradecimento pelas informações tão importantes que vc traz pra gente. Achei o método bem interessante e achei que as considerações da Karla fizeram sentido...
Continue atualizando e informando a gente sempre que puder, tá?
beijo grande
Sarah
http://maedobento.blogspot.com/

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