sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A Culpa Nossa de Cada Dia

Quem acompanha nossa vida um pouco mais de perto sabe que há alguns meses venho vivendo um dilema com Leti, por conta do incremento dos seus episódios de autoagressão.

Ela, que já tinha um comportamento de bater a própria cabeça em portas e armários, aprendeu a morder o próprio braço e a tirar sangue da boca para "desenhar".
 
Eu estava em pânico com a situação! Marquei reunião com sua psicóloga, com a equipe da Ciranda, conversei na escola, insisti na mediação de um encontro dos profissionais que a atendem, para tentar buscar uma solução conjunta para o problema.
 
Na minha primeira conversa, com a coordenadora do seu grupo da Ciranda, ela sugeriu que levássemos Leti para uma avaliação com um psiquiatra de confiança da equipe, Caio Abujadi. O único problema era que ele não atendia em Salvador, mas apenas no Rio e em São Paulo.
 
Conversei com algumas pessoas sobre o médico, assisti a um vídeo seu sobre atividade cerebral e resolvi marcar a consulta (para 3 meses depois). Como das últimas vezes que estivemos fora de Salvador para levar Leti a algum médico precisamos fazer exames ou avaliações adicionais, marcamos numa quinta feira, para termos um dia útil em São Paulo, caso fosse necessário.
 
A consulta foi ontem. É bem verdade que o quadro de Leti do dia que marcamos a consulta para ontem mudou um pouco. Ela já não está mais tirando sangue da boca, para desenhar de vermelho em roupas e lençóis, mas continua batendo sua cabeça e mordendo o próprio braço. Tanto que fez um calo na testa e uma marca no braço, que lhe acompanham dia a dia.
 
Ela está um pouco mais agressiva com o outro também. Na verdade, não sei nem se posso caracterizar de agressividade, mas ela tem tentado (e às vezes conseguido) morder as pessoas e beliscar-lhes o braço. Digo que não sei se posso caracterizar como agressividade porque a conotação que ela dá não é esta. Às vezes, sim, ela tem estes comportamentos como reação a algo que não lhe agrada, mas muitas vezes acontece meio sem motivo, ou até acompanhado de risadas. A impressão que tenho é que, como ela não sente dor, e faz estas coisas no próprio corpo, acha que pode fazer nos outros também.
 
Recentemente li um texto (e o compartilhei na fanpage do blog no facebook) que me tocou muito. Falava do autismo de que ninguém fala. Porque as pessoas sempre associam o autismo às grandes habilidades, aos grandes talentos, quando esta situação nem de longe reflete a maioria dos casos de autismo existentes no mundo. Me identifiquei muito com dois trechos em particular:
 
"E, para cada menina com autismo que é eleita a mais bela do baile, há 30 outras meninas com autismo que arrancam os próprios cabelos e se arranham até sangrar."
 
"Eu nunca sabia o que ia acontecer. Durante muito tempo, me encolhia de medo quando ele corria na minha direção... "
 
E me causa um enorme mal estar sentir medo da reação da minha filha ao me tocar. Não é do medo físico que falo, porque a consequência de uma mordida ou de um beliscão não é, para mim, nada tão grave de suportar. Mas não saber se ela se aproxima para me beijar ou para me morder, e perceber que fecho os olhos com sua proximidade, por medo (um medo instintivo) me destrói por dentro. Principalmente porque sei que não é este traço que define sua personalidade. Leti é uma garota apaixonante! É inteligente, perspicaz, carinhosa... e, às vezes, imprevisível!
 
Chegamos em São Paulo na quarta feira, porque a consulta era na segunda, e fomos jantar no recém inaugurado restaurante da Turma da Mônica.
 
Lá, por duas vezes, ela fez xixi na roupa, coisa rara de acontecer em Salvador. Na recepção do prédio do consultório, na manhã seguinte, de novo.
 
Subi para a consulta com uma angústia no coração. Sentindo um peso nos ombros. Um peso sobre o qual evito falar, um peso que tento não me permitir sentir, mas que às vezes toma conta de mim.
 
Como ser mãe de uma criança autista pode ser difícil! Como assumir isso traz à tona um sem número de culpas que insistem em ficar escondidas em algum lugar obscuro dentro de mim.
 
O momento que estou vivendo, em particular, com a ajuda e a instigação da maravilhosa psicóloga de Leti, tem me colocado para pensar nestas minhas culpas (trazendo-as para fora) e para buscar as suas origens. Isto, confesso, tem me fragilizado um pouco.
 
Subi o elevador com este turbilhão de sensações efervescendo dentro de mim e, ao ser questionada sobre o que buscava naquela consulta, a primeira coisa que me ocorreu foi vomitar todas as culpas que me ocorreram naquela mesa: será que eu estava proporcionando tudo o que deveria a minha filha? Será que deveria tentar neurofeedback, câmara hiperbárica, quelação, dieta restritiva de glúten e caseína, CEASE, injeção de metil...? Será que minha inércia poderia estar tirando alguma oportunidade da minha filha???
 
Depois de falar, um por um, de cada tratamento que mencionei, o médico com uma tranquilidade de acalmar o coração, apenas olhou para Letícia e nos disse que, mesmo sem conhecer ainda a história da minha filha, só por olhar para ela e perceber seu desenvolvimento e a forma como nos relacionávamos com ela (e com Mateus, que também nos acompanhou), seria  suficiente para concluir que nós éramos excelentes (foi o adjetivo que usou) pais e que estávamos no caminho certo.
 
Apesar de não precisar que um estranho me dissesse o que ele disse, a partir daquele momento acalmei meu coração para ouvir atentamente todas as explicações e orientações que viriam a seguir e sobre as quais falarei num próximo post para este não ficar longo e cansativo demais...

 

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu que a acho linda de viver, estou acompanhando os passos de Leti por aqui e quando a vejo em nossas confraternizações. Sou fã dela e do modo como voces conduzem tudo o que diz respeito à educação dela! Parabéns pelo texto, pela garra e amor que fazem de sua família "excelente", como falou o medico que visitaram. Beijos,
Nandita

Janaína Mascarenhas disse...

Obrigada pelo carinho, Na dita!

Ana disse...

Jana, acompanho seu blog há um tempo e fico encantada com a sua capacidade de entrega, aceitação e acolhimento. Acho que Deus escolhe à dedo a quem pode confiar crianças especiais, você é uma prova disso!
Não ha do que se culpar. Ninguém seria mãe melhor para Letícia que você. Siga em frente, pois o amor é a melhor bússola é isso você tem de sobra.

Anônimo disse...

Sou sua fa Janaina...Acompanho vc no face e te acho uma mae incrivel...Meu Otto fez ciranda com leti e apesar do tratamento biomedico iniciado a dois anos se autoagride bastante.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...