terça-feira, 17 de maio de 2016

Despreocupadamente Preocupada

Em casa tenho 3 filhos e 3 experiências completamente diferentes em relação ao processo pedagógico.
 
Lipe leu muito cedo, desenvolveu rápido o conhecimento lógico-matemático, mas em compensação, tinha dificuldades com interpretação e com o exercício da criatividade.
 
Leti está com seu processo em atraso, ainda não se alfabetizou, tem grande resistência às ciências exatas, apresenta grande facilidade ao aprendizado de línguas e se sai bem com temas relacionados a ciências e estudos sociais. Em virtude da excelente memória, relativamente cedo aprendeu as letras do alfabeto e, pelo menos, uma palavra relacionada a cada uma.
 
Mateus não identifica letras (apenas algumas do seu nome), reconhece números e identifica bem quantidades, se interessa por inglês, embora não seja disciplina da escola, e, diferentemente dos irmãos, usa e abusa da criatividade tanto nos assuntos relacionados à escola, como tantos os outros que permeiam a sua rotina.
 
E como eu fui mudando também ao longo dos anos, vinha adotando, com Mateus, a postura de respeitar o seu tempo, sem antecipar nada, nem oferecer qualquer atividade "lúdica" que tivesse como objetivo estimular qualquer espécie de aprendizado formal. Estava deixando a condução do seu trabalho pedagógico com a escola, até porque, em momento algum, ele sinalizava o interesse de enveredar por esta seara em casa.
 
Mas há aproximadamente um mês comecei a me preocupar.
 
Fui buscá-lo na escola e me espantei, ao ver exposta uma atividade sua dentre a dos colegas de sala na qual havia a escrita completa do seu nome.
 
Aquilo me soou tão estranho. Ele nunca tinha sequer dado indício de que conhecia as letras (exceto o M, que dizia ser simplesmente a letra do seu nome), imagina escrevê-lo.
 
Questionei a professora e ela me respondeu que todos iniciavam o processo de escrita do próprio nome, olhando a respectiva ficha de identificação.
 
Confesso que fiquei desconfiada!
 
Cheguei em casa, coloquei o nome dele na tela do computador e pedi para escrever. Só saíram rabiscos. Mais desconfiança.
 
Marquei uma reunião com a coordenadora pedagógica.
 
Estava na verdade cheia de dúvidas! Estava preocupada de estar despreocupada demais e ter chegado a hora de aproximar mais meu filho de conteúdos escolares. Mas eu sabia que o MEC não previa, nas diretrizes curriculares para a educação infantil, a exigência de conteúdos formais. Por que a escola estaria trabalhando a escrita com as crianças de 4 anos?
 
Entre a data da marcação e o dia efetivo do encontro, que acabou sendo com a diretora da escola, porque a coordenadora estava de licença médica, uma surpresa. Enquanto tomava banho com Mateus, pude observá-lo espontaneamente, e sem que eu esperasse, escrevendo seu nome no vidro embaçado do banheiro. Quase estatalei, e me tranquilizei em relação à desconfiança inicial.
 
Mas dúvidas persistiam. Não queria ser uma mãe relapsa!
 
Basicamente, queria entender por que a escola começava um processo de letramento e o que fazer em casa para ajudar no processo de aprendizagem do meu filho.
 
Da conversa, que me tranquilizou completamente, compreendi que o processo de escrita do nome tem muito menos haver com o início da alfabetização que com o reforço da construção da identidade.
 
Ela me explicou que o trabalho com a educação infantil tem como maior escopo trabalhar com habilidades sociais, competências motoras, afetivas, autonomia, identidade.
 
Explicou, ainda, que a aproximação com o nome, a partir da ficha que eles acessam desde cedo, busca consolidar a construção da identidade, e promover, de maneira gradativa e significativa, o ingresso no mundo letrado.
 
Mostrou que a alfabetização hoje em dia é trabalhada de maneira bem diferente da minha época, quando se partia do pequeno para o grande (de letras para sílabas, depois para palavras, frases, textos...), e a técnica era alicerçada em repetições e uso da memória.
 
Dizia que a preocupação atualmente é que o processo de alfabetização tenha sentido para as crianças, para que, além de repetidoras, elas possam ser sujeitos dos respectivos processos.
 
Exemplificava contando que na sala havia exposto o texto da cantiga "A Canoa Virou", que a professora mostrava na turma, preenchendo o espaço que seguia à frase "foi por causa de... ", com o nome de cada uma das crianças ao longo de determinado período. O objetivo da atividade era apresentar e significar o texto, mostrando a mudança do significado com o preenchimento do nome das crianças e, também, a função social da escrita.
 
Acrescentava que o trabalho com o próprio nome era o ponto de partida para o aguçar da curiosidade dos pequenos, que acabava por desencadear um natural processo de alfabetização. A experiência permitia também olhar o nome do outro, e aprender a partir daí.
 
Comecei a me lembrar de alguns sinais que Mateus vinha me dando. Na nossa leitura noturna, quando no livro "Carinhos", ele colocava o pé no livro, para eu falar que o bebê sentia o seu chulé, ele passara a ter o cuidado de não colocar mais o pé em cima do texto, mas só da ilustração, deixando claro que não queria atrapalhar a minha leitura. Ele, do nada, ao ver a letra J, instantaneamente falou "de Joana" (sua colega de escola) e, há uma semana, vem escrevendo a letra H e dizendo que tem esta letra no seu nome (porque na turma há 4 Mateus e em todos os outros nomes há o H).
 
A diretora me dizia, ainda, que era comum que o reconhecimento sistemático das letras só viesse na última etapa do processo e que eu não deveria me ocupar em ensiná-lo nada relacionado a leitura e escrita.
 
Meu papel, nesta sua fase da vida, deveria ser o de proporcionar experiências instigantes, deixar com que trabalhe seu corpo, que exerça sua autonomia, ajudar na construção da sua autoestima, dos laços afetivos..., tudo que, modestamente, já venho fazendo, e com muito prazer.
 
Eu, que aprendi a compreender o tempo de maneira diferente, saí aliviada de poder continuar despreocupada e tranquila por ter reforçada a sensação de ter escolhido uma escola que traduz exatamente aquilo que busco para meus filhos.
 
 

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